A polêmica dos médicos estrangeiros – parte 2 (artigos para refletir)

medicos1

Enquanto não recebo os textos pedidos aos (poucos) médicos que conheço, publico aqui alguns textos encaminhados por pessoas que leram o post de ontem e quiseram contribuir com a discussão. Há alguns realmente ótimos, que acrescentam muito ao debate. A maioria concorda com a vinda dos médicos estrangeiros e alguns já tocam nas outras novidades propostas ontem pelo governo, como o novo ciclo que os estudantes de medicina terão que fazer, trabalhando no SUS. Vou acrescentando a este post outras contribuições que chegarem, com outros pontos de vista.

Antes, reforço aqui a atualização que fiz no post de ontem, por ter sido bem à noite:

“Este infográfico do G1, abaixo, resume bem o programa “Mais Médicos“, lançado na tarde de hoje. Clique sobre ele para ler no tamanho real. A reportagem pode ser lida AQUI ou AQUI. Não fique com dúvidas!” ;)

info-mais-medicos_2

Pronto. Às contribuições!

O jornalista/psicólogo/filósofo Dario de Negreiros me enviou o seguinte apanhado de argumentos pró-programa:

“Medicina é a carreira de ensino superior com o melhor desempenho trabalhista e com maior escassez de profissionais, revelou estudo do Ipea (Instituto de Política Econômica Aplicada) divulgado nesta quarta-feira (3).
Ninguém nega que a boa medicina envolve muito mais do que um médico com estetoscópio no pescoço. Mas também é melhor ter do que não ter um profissional de saúde de prontidão no hospital, mesmo que atue em condições adversas e que sua formação esteja aquém da ideal.
Temos no Brasil 33.000 equipes de saúde da família, entretanto, pouco mais de 20.000 delas possuem médicos compondo a equipe. O governo tentou atrair médicos por meio do Provab (Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica), com salários elevados, suporte das universidades e bonificação para concorrer às provas de residência, mas apenas cerca de 4.000 médicos aderiram ao programa.
Portugal já importa médicos cubanos desde 2009. Aqui também há dificuldade de convencer os médicos a ir trabalhar em regiões mais longínquas, afastadas dos grandes centros. Os cubanos vieram estimulados pelo governo, fizeram prova e foram aprovados em grande maioria (mais à frente vou dar maiores detalhes deste fato).
A população aprovou a vinda dos cubanos, e em 2012, sob pressão popular, o governo português renovou a parceria, com amplo apoio dos pacientes. Portanto, um dos países com melhores resultados na área de saúde do mundo importa médicos cubanos e a população aprova o seu trabalho.
Os médicos daqui não querem saber do interior atrasado, não importa que mercado haja aí e que condições sejam oferecidas. Mesmo as periferias das cidades são incapazes de atraí-los no número necessário, como prova a procura para os hospitais e postos públicos. A mera recusa à contratação de espanhóis, cubanos e portugueses despreza ainda outra realidade inegável: a dos milhões deixados a sofrimentos que até conhecimentos médicos elementares podem evitar ou atenuar.
A grita contra os cubanos, contudo, é em larga medida uma reação corporativista. Mesmo que eles não tenham uma formação comparável à dos brasileiros, num raciocínio bem consequencialista, é melhor para o sujeito que procura um serviço de saúde ser atendido por alguém que tenha algum conhecimento do que ficar sem assistência nenhuma.
É verdade que a boa medicina precisa de mais do que um médico com um estetoscópio no pescoço, mas também é verdade que, em muitas regiões do Brasil, não estamos conseguindo nem sequer providenciar isso. E não é realista esperar que uma estrutura decente brote na Amazônia e outras áreas periféricas do país da noite para o dia. Dado que mesmo um profissional de formação limitada e sem acesso a grandes recursos é capaz de levar as medidas salvadoras e os truques aonde eles ainda não chegaram, tudo recomenda que o governo envide esforços nesse sentido.
Desde 1963, com o envio da primeira missão médica humanitária à Argélia, Cuba trabalha no atendimento de populações pobres no planeta. Nenhuma outra nação do mundo, nem mesmo as mais desenvolvidas, teceu semelhante rede de cooperação humanitária internacional. Desde o seu lançamento, cerca de 132 mil médicos e outros profissionais da saúde trabalharam voluntariamente em 102 países.”
Por autorização do ministro da Saúde José Serra, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, médicos cubanos foram autorizados a atender a população brasileira em vários pontos do País. Em 2005, quando a autorização de permanência dos cubanos no Estado de Tocantins se encerrou, uma parcela da população chegou a correr até o aeroporto para impedir que eles fossem embora. Em Niterói (RJ), sua presença chegou a ser apontada como um fator importante para a redução de filas nos hospitais públicos.
O cardiologista e ex-ministro da Saúde Adib Jatene, que preside uma comissão que auxiliou o governo na formulação do projeto para a mudança do ensino médico, defende a proposta apresentada ontem pela presidente Dilma mas afirma que não conhece a versão final.
Para Jatene, o ensino médico está formando candidatos à residência médica, com muito ênfase às especializações e alta tecnologia. “O médico precisa se transformar num especialista de gente.”

***

A jornalista Maria Thereza Reis, que atualmente trabalha na Associação Paulista de Saúde Pública, enviou o texto da médica Carminha Cabral Carpintero (LEIA AQUI), escrito em resposta a ESTE texto, da médica Juliana Mynssen.

***

O Maurício enviou uma ótima reportagem do iG, que está promovendo um debate bacana sobre a polêmica. Neste outra matéria, o site mostra médicos da Venezuela e Bolívia que criticam a “importação”.

***

O Maurício também enviou a opinião da presidente do Conselho Nacional de Saúde, favorável ao programa, mas não só.

***

O Roberto Takata postou em seu blog um dado interessante: quem usa o SUS o avalia melhor do que quem não usa. Elio Gaspari também escreveu ótimo texto a respeito.

***

O leitor Victor enviou o texto escrito pelo médico José Carlos Jucá, que aponta alguns motivos por que a categoria é contrária ao programa Mais Médicos.

Mais textos bacanas que valem a leitura:

***

Além disso, o post de ontem rendeu ótimos comentários, já atualizados sobre os detalhes do programa lançado ontem. VEJAM AQUI 😀 (Agradecimentos ao Ramiro, ao Leandro, à Tatiana, ao Jaime e ao Takata).

***

Por enquanto os médicos ainda não passaram por aqui. Você é médico, já atuou na periferia e no interior, conhece a fundo os problemas da categoria e da saúde pública? Por favor, contribua também! Pode enviar seu texto aí nos comentários ou para meu email.

Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

8 comentários

  1. Que ótimo, Cris! Vou ler as demais contribuições aos poucos. Mas de cara gostei disso aqui:

    “A população aprovou a vinda dos cubanos, e em 2012, sob pressão popular, o governo português renovou a parceria, com amplo apoio dos pacientes.”

    Ou seja, a barreira com o idioma não foi problema, pelo visto.

    Curtir

  2. Cris, lá no Minas, a equipe principal de natação vem sendo treinada há alguns meses por um técnico holandês. Ele dá suas instruções em holandês. Sem intérprete. Quando caminho por lá, não capisco nada do que ele fala, mas os nadadores parecem entender muito bem (e duvido que algum deles saiba holandês). Torre de Babel é uma lenda, mas tem médico que acredita nessa lenda quando lhe convém. Há maneiras de as pessoas se comunicarem que extrapolam em muito a linguagem falada, quando as duas partes querem se entender.

    Curtir

  3. Seria Muito bom ouvir um médico. Desde a época da USP sempre tive admiração pelo talento e dedicação dos alunos FMUSP. Infelizmente não os vi se posicionar a respeito
    Falta a visão do dia-a-dia. Aquele que acorda as 5h p. ir a “parada de taipas” atender no posto de saúde.
    Acredito que ao apontar os entraves da Infra estrutura (como mostrou a médica que não tinha maca p. paciente) ajuda a mostrar a saída: Eficiência e Produtividade.

    Curtir

  4. Vi um pedaço de um programa da Globo News com a Mônica Waldvogel e dois médicos. Eles bateram bastante na tecla da infraestrutura (hospitais, postos, exames, remédios) e da necessidade de uma equipe multi-disciplinar (enfermeiros, dentistas, etc). Também afirmaram que a formação do médico brasileiro não é generalista, como deveria ser nos casos de saúde pública. Vi corporativismo, mas vi também afirmações bem pertinentes. O governo não ouviu a classe médica e lançou o plano. Geralmente medidas ditadas de cima para baixo não encontram respaldo na realidade.

    Curtir

Deixar um comentário