A polêmica dos médicos estrangeiros (buscando uma posição)

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Clique nas imagens para ver em tamanho real.

Já falei aqui no blog sobre um programa do governo federal que me pareceu bastante acertado, o Provab. Por um salário de R$ 8 mil, os médicos recém-formados são selecionados para trabalharem nos rincões do país, onde há maior carência desses profissionais. Nunca li nenhuma contestação para esse programa.

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O que literalmente divide a opinião dos brasileiros é o novo projeto do governo federal de anunciar a vinda de milhares de médicos estrangeiros para o Brasil, também para atuar nas periferias e no interior do país.

O programa será anunciado oficialmente hoje, em cerimônia às 15h, com lançamento de edital. Junto, para compensar a fúria dos conselhos de medicina, serão anunciadas 12 mil vagas de residência para os brasileiros, além de 11 mil de graduação e investimentos de R$ 3 bilhões. O foco serão os médicos de Portugal e Espanha, e não mais de Cuba (sem maiores explicações a respeito, já que Portugal também importou médicos cubanos). O governo não quer obrigar os médicos a revalidarem o diploma justamente para evitar que, uma vez no país, possam trabalhar em todo o território nacional (inclusive nos confortáveis consultórios da avenida Paulista), em vez de cumprirem o foco do programa, que é atender onde há real carência de médicos.

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Sobre a má distribuição dos médicos pelo país, vale ler este estudo da USP e este do CFM. O Ipead também mostrou dado parecido recentemente, além de dizer que os médicos têm o maior salário médio do país. O Cremesp mostrou que a maioria dos estrangeiros que já vêm trabalhar no país, independentemente de programa federal, se alojam nos Estados onde há mais concentração de médicos.

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Esses estudos são pontos de partida para nossa reflexão e tomada de posição. Mas é difícil bater o martelo, quando vemos todos aqueles respeitáveis e esclarecidos senhores e senhoras de jaleco protestando em várias cidades do país contra a vinda dos estrangeiros. Leio de um lado depoimento que parece corporativista, de outro, um que parece até xenófobo e, por fim, argumentos que são apenas governistas, até assinados por um membro de um tal de “Médicos com Dilma“. Será que não dá pra despolitizar e “descorporativizar” o discurso, pra que a gente pense racionalmente na precariedade da saúde no Brasil e em uma possível solução que está sendo oferecida? E ela solucionaria mesmo, com a precariedade da estrutura existente (hospitais, remédios, equipamentos)? Haveria mesmo “risco” para a população trazer um médico de fora, como alardeia a AMB?

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Com tudo isso em mente, convidei dois médicos para escreverem suas opiniões (que ainda não sei qual são) aqui no blog, e pedi que analisassem a questão da forma mais racional possível. Enquanto escrevo este post, ainda não sei se toparam meu convite e se vão mesmo escrever, mas espero que sim. Também vou convidar outros médicos nos próximos dias e deixo aberto o convite aos leitores que já têm suas opiniões formadas (podem enviar para meu email e eu publico em post). Quero aproveitar esta semana para levantar um debate saudável por aqui (aproveitando que nós temos saúde…), como ainda não vi em muitos lugares, no que diz respeito a esse assunto.

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Eu até já tenho minha opinião praticamente fechada, como este post demonstra um pouco sem querer, mas acho que não tenho qualificação e conhecimento de causa suficientes pra defendê-la. Por isso, vamos aguardar os textos que chegarão por aqui nesta semana 😉

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Atualização à noite: Este infográfico do G1, abaixo, resume bem o programa “Mais Médicos“, lançado na tarde de hoje. Clique sobre ele para ler no tamanho real. A reportagem pode ser lida AQUI ou AQUI. Não fique com dúvidas! 😉

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Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

22 comentários

  1. Não, a vinda de médicos estrangeiros não vai *solucionar* os problemas graves de saúde no Brasil. E nem é esse o objetivo. O fato é que não há médicos em um grande número de cidades, em outras há um número insuficiente.

    A pergunta é: é justo deixar essa parcela (em geral a mais pobre do país) desassistida completamente?

    Sim, faltam estruturas – mas não em todos os locais – e elas devem ser providenciadas. Mas é desumano argumento do tipo: “primeiro tem que cuidar da infraestrutura para depois trazer os médicos”. Os que foram atraídos para os grotões devem estar devidamente informados das faltas de condições adequadas, no entanto, é preciso enviar alguém para lá do mesmo modo como é preciso haver médico em áreas conflagradas e em regiões sem estrutura alguma – como fazem, p.e., os Médicos sem Fronteiras em várias regiões do mundo.

    Um médico, mesmo sem ter uma aspirina, menos ainda aparelhos de raios-X e estrutura laboratorial, já pode fazer toda a diferença no atendimento básico. Só de orientar em noções mínimas de saúde e higiene estará salvando muitas vidas. (Só ver como algo absolutamente banal como o soro caseiro evitou a morte de milhares de crianças por diarréia infantil.)

    É direito dos doutores não quererem ir para essas regiões alegando falta de condições. Não é, no entanto, direito deles evitarem a atração de outros para essas mesmas regiões.

    []s,

    Roberto Takata

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    1. Concordo com vc. Mas vc está com a opinião bem convicta já, né? A minha ainda é mais flexível. Quero crer que os que são tão veementemente contrários à vinda dos médicos de fora tenham ao menos um argumento mais válido do que a crueldade e o corporativismo. Então vamos ver o que dirão… abraços

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      1. Eu também estou procurando um argumento válido contra a vinda de médicos estrangeiros. Por enquanto, cada vez que leio uma opinião (em geral de médico) contra, mais fico convencido de que os estrangeiros *devem* vir.

        []s,

        Roberto Takata

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  2. Acredito que decisões sobre “políticas públicas” são sempre complexas. Não existe Preto ou branco. Mas ficar “elucubrando” seria ficar no “cinza- em-cima-do-muro”.
    Sou a favor SIM da abertura de mercado para profissionais qualificados (inclusive engenharia, minha formação).
    Alguns pontos importantes:
    i) Qualquer sistema complexo ( e emperrado) sofre transformação ao se colocar uma nova varável. Estes médicos europeus irão trazer questionamentos. Em 2 ou 3 anos começarão a reportar o que rola no sistema de saúde.;
    ii) Foi ótimo ter tirado os médicos cubanos do sistema. Tem que deixar claro que não é (ou era) um problema ideológico. Simplesmente FALTA MÉDICO;
    iii) Nunca se tem o navio e depois o capitão. SIM a estrutura está colapsada.Os bons armadores escolhem o capitão para projetar o navio.Nenhum dono de navio pergunta para o Capitão:”a viagem foi dura? Ele pergunta – trouxe o navio?” A vinda dos médicos (que como todo ser humano também é um gestor) irá apontar o GAP de infra estrutura. Será muito saudável (sic e sem duplo sentido..) a visão estrangeira de nosso sistema de saúde. Mesmo porque até nos EUA há um problema grave no sistema médico;
    iv) Não haverá invasão de médicos estrangeiros. Ou alguém acredita que conseguirão tirar das cidades europeias médicos acostumados ao padrão de vida por lá? Vai ser muito interessante analisar o perfil do médico que irá se candidatar.
    v) Parece irônico ter as indústrias ~automobilística, farmacêutica,supermercados, produtos de consumo”~ estrangeiras. Mas mão de obra qualificada NÃO pode ser estrangeira.
    vi) Alguém conseguiu mostrar um PLANO ALTERNATIVO? As consequências não podem ser medidas por sistemas hierárquicos tradicionais.

    Por princípio tenho restrições a”políticas públicas”. Mas SOU A FAVOR da abertura de mercado médico ( e também p. Engenharia, repito que é minha formação)

    PS1 só não tem reserva de mercado para o Jornalismo . Até eu posso tentar meus pitacos (hehehe)

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  3. Cris, não sei se viu (deve ter visto) um artigo recente na Folha de S. Paulo em que um médico, brasileiro, professor lá fora (acho que isso poderia depor contra ele rsrsrs), coloca a falta de infraestrutura como a principal causa de haver esse desequilibrio na presença de médicos…acho que isso, em parte, é verdade sim, como em qualquer outra profissão. Nós, ao avaliar uma oportunidade de trabalho, consideramos a infra que teremos a nossa disposição. Portanto, se não houver melhoria de infra e na gestão (algo que falta muito ainda no nosso país, há recursos, mas mal empregados), até mesmo os médicos estrangeiros vão querer ir embora rapidinho ou os teremos desmotivados. Dito isso, pode até parecer que sou contra, mas no fundo, não sou contrário a incentivar a vinda de médicos estrangeiros, mas vejo que é mais uma medida fantasiosa, que no fim não irá solucionar o problema (ele persistirá se a questão de gestão não avançar). Por outro lado, acho que sim, todos deveriam ser submetidos ao exame de equivalência, esse é um ponto que é vi muito dentre aqueles que são contrários, pois é fundamental que haja um entendimento da realidade em que vão atuar para saber diagnosticar. Acho também que o idioma (vamos lembrar a realidade de educação nos grotões do país) será uma barreira diária a ser vencida.

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    1. Essa questão do idioma é bem boa também. Levantei ela de levinho ao colocar aquelas duas charges do post. Se bem que o Médicos Sem Fronteiros lida bem com isso. Há certas necessidades que vão além da comunicação, de tão grandes e graves.

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      1. O Padilha (de quem não sou nem um pouco fã) já esclareceu a questão do idioma: eles têm que saber falar português brasileiro como requisito.

        “‘O desenho é de uma autorização especial onde esse médico estrangeiro só virá para o Brasil se não tiver um médico brasileiro e fica exclusivo para atuar naquela região. Esse profissional não pode exercer a medicina em outra área que não aquela que é autorizado. Ele estará vinculado a uma universidade, que fará toda a checagem das habilidades e treinamento, especialmente na questão do idioma. Além disso, ele não pode exercer medicina em clínica privada ou em outra região’, detalhou Padilha.”
        http://noticias.terra.com.br/educacao/autorizacao-para-medicos-estrangeiros-sera-restrita-diz-padilha,848733c622c7f310VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html
        —————–

        *Por contrato*, o médico estrangeiro ficará vinculado ao trabalho em um local.

        []s,

        Roberto Takata

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      2. Olha só, até então eu tinha lido que tinha que ser de um país de “idioma próximo”, o que incluiria os que falam espanhol. Mas fico feliz que tenham que aprender português antes de virem. Acho que vai ajudar no processo de adaptação, inclusive na questão do preconceito.

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  4. Estou na mesma linha do Roberto. Médico brasileiro não que ir para o meio da Amazônia? Ok. Mas não impeça quem queira, seja de qual nacionalidade for. Mas acho a questão da infraestrutura importante, senão, como já disseram, a vinda de médicos será apenas um paliativo e não resolverá a questão da saúde para a população mais pobre. Sobre o anúncio feito pela presidente nesta segunda, me preocupa a obrigatoriedade de trabalhar no SUS para obter diploma. Na nossa constituição, nem preso é obrigado a trabalhar. (mas sim, eu gostaria que os médicos trabalhassem no SUS, mas não obrigados).

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    1. Pois é, essa questão parece que vai causar polêmica ainda maior, né? Eu, pessoalmente, acho que essa experiência só vai enriquecer aos médicos, nos sentidos mais nobres da palavra “enriquecer”. Mas vc tem razão ao ponderar sobre a obrigatoriedade. Vou pedir aos médicos pra acrescentarem opinião sobre isso, se eles me responderem 😀

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  5. Hoje ouvi um colega professor que tem um irmão que é médico trabalhando em cidade do interior da Bahia relatando as péssimas condições do posto de saúde e do hospital municipal – a questão da infraestrutura é um problema e tanto e mesmo os médicos estrangeiros teriam essa dificuldade. Mas eu queria tanto lembrar onde li um artigo de um médico onde ele opinava sobre a formação dos estudantes nas faculdades de medicina, argumentando que os médicos “mais novos” não sabem fazer uma boa clínica e se baseiam apenas em exames de alta tecnologia – e que seria muito difícil equipar cada cidade do interior com aparelhos mais complexos. Eu acho que é um ponto interessante a ser abordado… ( e enquanto o sistema de saúde da cidade sofre com a falta de infraestrutura, os festejos juninos consumiram uma boa grana com artistas famosos como Leonardo e Harmonia do Samba além de outras bandas – eis as “prioridades”)

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    1. Prioridade no Brasil tem significado diferente, né? Deviam mudar o dicionário.
      Pois é, acho mesmo que, se todos os médicos pudessem passar uma temporada atendendo de forma precário, iriam aprender muito mais do que aprender hoje (em faculdades muitas vezes péssimas).

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  6. Uma pauta pulando na frente das editorias:
    Qual o perfil do médico Português/Espanhol que toparia vir p. o Brasil?
    (em 2009 logo depois da crise, estive em contato com estudantes Universitários Portugueses e Espanhóis. Muitos desempregados e sem perspectivas. Poucos (mesmo) tinham intenção de vir construir carreira no Brasil. Tinham a visão ~ correta ou não~ que (exceção a algumas regiões) o Brasil era similar a África. “Bom para fazer doação. Fazer turismo.Horrível p. viver dia a dia” …
    Cuidado ao entrevistar. A pergunta não poder retórica (você gostaria de trabalhar no Brasil?)
    Pergunta que gere desafio: Aqui está a oferta de trabalho. Você pode assinar aqui?)

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