Mudei de ideia sobre a redução da maioridade penal

Victor-Hugo-Deppman

Em fevereiro de 2007, o menino João Hélio teve uma morte dolorosa, que chocou todo o Brasil: foi arrastado ao longo de sete quilômetros, enquanto bandidos roubavam o carro de sua mãe — um deles, menor de idade.

Na época, debateu-se por longas semanas a redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos. Projetos de lei que estavam parados ou engavetados foram ressuscitados no Congresso. Eram dezenas de projetos do gênero, alguns defendendo até uma redução maior, para 14 ou 12 anos. Outros defendiam ainda a pena de morte.

Era comum ouvir frases do tipo: “Se está pronto para votar, por que não pode responder por seus crimes?” E outras, sempre na base do “se está pronto”.

E eu estava no grupo dos que já defenderam essa redução. Cheguei a fazer um poema sobre isso, cheio de ironia, chamado “Diversão”. Um trechinho:

“Alguns, precocemente, preferem matar a tiros o colega com a arma de fogo do pai. Afinal, são só crianças. Não vão à cadeia, protegidos por um Estatuto que só quer garantir sua diversão saudável.”

Quando o debate causado pela morte de João Hélio estava em seu auge, eu era estagiária da rádio UFMG Educativa (104,5 FM, em Beagá). Recebi a missão de fazer uma série de reportagens, com quatro capítulos, sobre a polêmica. Deveria ouvir os maiores especialistas em criminalidade e direito da criança e do adolescente no país e, a partir daí, levantar a discussão.

Abracei a causa de fazer uma reportagem com o espírito aberto (como, aliás, deveriam ser feitas todas as reportagens) e a consequência foi uma mudança radical no meu ponto de vista. Entrei na missão com uma cabeça e saí com outra.

Hoje, quando vejo essa discussão reacender de novo (e ela volta à tona sempre que um crime choca o país, desde que o ECA foi instituído, em 1990 — a bola da vez é o Victor Hugo, que está na foto deste post), pondero que o erro está naquele começo de argumento, no “se está pronto”. Criança e adolescente não está pronto. Centro de internação não é parque de diversões. Etc.

Mas não entro no debate mais. Prefiro postar aqui o resultado da minha longa apuração, de uma semana de entrevistas e muitíssima leitura (de artigos, textos técnicos e da legislação), que levei muito a sério naquele comecíssimo da minha carreira jornalística, e deixar que cada um tire suas próprias conclusões. Quem sabe outros também não mudem de ideia, como eu mudei? E, se não mudarem, tudo bem. O importante é a gente manter a cabeça aberta para outros argumentos, além dos mais fáceis.

E o genial Angeli fez uma charge perfeita a respeito, publicada na “Folha” de 19 de abril:

Charge na "Folha" de 19.4.2013.
Charge na “Folha” de 19.4.2013.

Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

12 comentários

  1. Pode ser utopista, mas eu realmente acho que nenhuma medida será eficaz enquanto o sistema continuar sendo penitenciário ao invés de re-educacional. Aqui mesmo no Brasil existe penitenciárias onde os preços trabalham e estudam e quando terminam a pena não se tornam reincidentes…

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  2. O que acham de internato militar para jovem infrator contumaz? Eu creio que a reincidência é o agravante de tudo pois a cada crime eles comete um outro crime ainda mais grave. A maioria absoluta desses menores assassinos tiveram antecedentes.

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    1. Acho que existem várias soluções alternativas que devem ser discutidas com calma, inclusive essas propostas apresentadas hoje pelo Geraldo Alckmin, ao presidente da Câmara (aumento do tempo de internação e maior severidade às penas de adultos que usam menores de idade para cometer crimes), esta que você traz aqui e que o Takata trouxe também no comentário dele.

      A pior é, realmente, a redução arbitrária da maioridade penal…

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  3. QUerida Cristina Moreno de Castro… Hoje você me fez uma pessoa muito feliz! Vivo me perguntando se o trabalho de formiguinha na valorosa e ainda quase desconhecida UFMG Educativa fazia alguma diferença para o mundo… Lembro-me da produção dessa série, com a querida Soraya Fideles… Mas nunca pude imaginar que, para além de um resultado belíssimo, a série tivesse sido esse divisor para você. Parabéns por se por nesse debate tão aparentemente insano, desgatado, mas necessário. E obrigada por me fazer sentir assim tão bem.

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    1. Tacy, querida! Foi mesmo um divisor de águas pra mim. Inclusive como jornalista. Essa série me marcou muito. Como, aliás, toda a passagem pela UFMG Educativa. Sempre que encontro um estudante de jornalismo aqui de BH eu falo: meu único conselho pra vc é que tente fazer um estágio na UFMG Educativa! besos e obrigada por tudo o que me ensinou! Vc, a Grazielle Mendes, meu pai e Ana Estela foram meus maiores professores de jornalismo 😀

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  4. História interessante a dessa jornalista que foi estuprada por um menor aos 19 anos e mesmo assim, agora com 56 anos, é contra a redução da maioridade penal. Diz ela:

    “Se os políticos quiserem fazer algo realmente eficaz para combater o crime na escalada absurda que vivemos, terão que enfrentar os pedidos de vingança dos ofendidos da vez e criar um sistema penitenciário que efetivamente recupere quem pode e deve ser recuperado. Sem isso, qualquer mudança nas leis será pura e simples vingança. E vingança não é Justiça.”

    A história, assinada pela própria jornalista, foi publicada hoje pela Folha de S. Paulo. Pode ser lida aqui: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/04/1270117-jornalista-estuprada-por-adolescente-e-contra-a-reducao-da-maioridade-penal.shtml

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