Texto de José de Souza Castro:
“Esta serra tem dono. Não mais a natureza a governa. Desfaz-se, com o minério, uma antiga aliança, um rito da cidade. Desiste ou leva bala. Encurralados todos, a Serra do Curral, os moradores cá embaixo.”
Versos de “Triste Horizonte”, poema escrito em 1976 por Carlos Drummond de Andrade, em protesto contra a concessão dada pelo regime militar a uma mineradora para explorar o minério daquela serra, rico símbolo da capital mineira. Passados 35 anos, é preciso protestar de novo em favor desse nosso “destroçado amor”, destas pedras que “se vão desfazendo em forma de dinheiro”.
Desta vez, sem o poeta que morreu em 1987 e sem o risco de levar bala, mas com os cuidados necessários para não levar um processo nas costas. Pois vamos protestar contra a ação de grupos econômicos poderosos que planejam cavucar parte da serra para construir mais uma avenida pavimentada, dezenas de ruas e centenas ou milhares de prédios residenciais e comerciais. E que já demonstraram grande poder de fogo junto ao Judiciário.
E que empregam sem pudor técnicas de marketing para enganar as pessoas. Como a promessa de que farão também um parque para que os futuros condôminos daqueles prédios residenciais e comerciais cuidem dele. E que, por ironia, esperam contar com o apoio de um prefeito que um dia esteve preso por combater a ditadura e que, agora, tem dado mostras de haver se rendido à ditadura do dinheiro.
Estou me referindo à Mineração Lagoa Seca, às construtoras Patrimar e Caparaó e ao prefeito Marcio Lacerda. As três primeiras, já se sabe, se uniram para lotear parte de uma área de quase um milhão de metros quadrados que deveriam ser destinados à preservação ambiental.
A notícia, como costuma ocorrer em casos assim, foi dada em primeira mão por uma revista a serviço dos ricos, chamada “Encontro”, e que vem sendo ignorada pela chamada grande imprensa, certamente mais interessada nos anúncios imobiliários que vão se originar do empreendimento.
Com uma fonte como a “Encontro”, onde o contraditório não existe, o que se sabe, na verdade, é muito pouco. A revista afirma que a família Pentagna Guimarães vendeu para as duas construtoras o terreno, sem informar valores. Não informa, mas sabe-se que a família é dona da mineradora, cuja concessão, renovada várias vezes, se extingue em 2012 e não poderia mais ser renovada. Também a revista não sabia ou não achou conveniente informar aos leitores que a mesma família loteou o bairro Belvedere III, de forma considerada ilegal e que sofre na Justiça uma ação proposta pela prefeitura, ainda não transitada em julgado.
Mas a revista se apressa a dizer que dois terços da área serão preservados. Cita a diretora de planejamento e projeto da Caparaó, Maria Cristina Valle, dizendo que o projeto foi discutido com ambientalistas, lideranças comunitárias e autoridades e que “descobrimos que não bastava entregar um belo parque para a comunidade. Era preciso encontrar uma forma de cuidar dele”. Acrescenta a senhora que “os empreendimentos imobiliários serão responsáveis pela manutenção de toda a área”.
Ah, bom… Os empreendedores vão dividir a área em lotes, vão construir nos lotes e os compradores, além de pagar o condomínio para o funcionamento e a manutenção dos prédios, vão pagar para a manutenção do parque. Um parque público, porque não será condomínio fechado!
Há quem acredite em Papai Noel.
Mais uma boa notícia transmitida pela diretora da Caparaó à revista: o coeficiente de aproveitamento da área será dez vezes menor que o do Belvedere e as torres serão baixas para não prejudicar a vista da Serra do Curral.
Um parêntesis: no começo da década de 1980, quando o bairro Buritis começou a ser vendido, o contrato de promessa de compra e venda garantia que os lotes seriam para residência unifamiliar. Ou seja, apenas casas. Já se sabe o que aconteceu ali nesses 30 anos.
Selva de pedra
Como não estou entre os privilegiados leitores da revista “Encontro”, só tomei conhecimento do assunto por email enviado por Paulo Cangussu, o cartunista Guz. Ele escreveu:
“Todos nós ainda vivenciamos o resultado do último “acordo” entre a família Pentagna Guimarães, prefeito e vereadores de então, que resultou na construção de compacta selva de pedra no Belvedere, que alterou drasticamente o clima de uma cidade, arruinou o trânsito na área, responsável pelos mega congestionamentos diários que sofrem os moradores da região”.
Ao pesquisar o assunto, descobri no Google um estudo assinado pelo professor Edimur Ferreira de Faria, do programa de pós-graduação em Direito Público da PUC Minas, e pela aluna Letícia Junger de Castro Soares, intitulado “A verticalização do Bairro Belvedere III, os impactos ambientais gerados e a responsabilidade do Estado”. Os autores analisaram os “aspectos jurídicos que legitimaram a verticalização do bairro, às avessas da legislação existente, sem o devido estudo ambiental, contrariando, inclusive, limitação administrativa (tombamento da Serra do Curral) existente, o que prejudicou de diversas maneiras o meio natural da cidade, interferindo na qualidade de vida de seus habitantes. Procurou-se demonstrar a responsabilidade do poder público pela gestão urbana sustentável, conciliando o meio ambiente natural e o construído, de forma a proporcionar o desenvolvimento econômico, sem, contudo, depredar o patrimônio ambiental.”
Não vou me alongar, pois a íntegra do estudo está disponível na Internet. Ele aponta dúvidas sobre a real propriedade da área, que havia sido desapropriada pelo Estado na década de 1950 para a proteção do manancial do córrego do Cercadinho. Da leitura, assaltou-me nova dúvida: será que o prefeito atual fará como Sérgio Ferrara, que faltando poucos dias para transmitir o cargo a Pimenta da Veiga fez aquilo relatado pelos autores?
De forma conturbada
Dizem Edimur Faria e Letícia Soares que, no dia 5 de dezembro de 1988, o loteamento foi aprovado. “O então prefeito, Sérgio Ferrara, assinou na própria planta apresentada pelos empreendedores a alteração no zoneamento da área do bairro Belvedere. O novo zoneamento caracterizava a área como Zona Residencial 4, Zona residencial 4B e Zona Comercial 3.” Como o loteamento se deu “de forma conturbada”, afirmam, o Belvedere III “é objeto de discussões judiciais até os dias de hoje”.
No final da década de 1980, a Associação dos Moradores do Bairro Belvedere, com o apoio do prefeito Pimenta da Veiga, ajuizou ação para discutir a alteração no zoneamento. Em 1990, foi promulgado pela Câmara de Vereadores o Decreto 6.690, que estabeleceu como categorias de uso permitidas no bairro a Zona Residencial 2 (ZR2), Zona Comercial 1 (ZC1) e Setor Especial 1 (SE1). Este último compreende os espaços sujeitos à preservação. O tombamento do alinhamento montanhoso da Serra do Curral vai dos bairros Barreiro ao Taquaril e, em 1992, o perímetro do tombamento foi definido em 30 km2. A empresa Comercial Mineira, dos Pentagna Guimarães, ajuizou ação contestando o Decreto 6.690 e obteve ganho de causa. Em 1994, o juiz da ação proposta pela Associação dos Moradores liberou o loteamento. Assim, os empreendedores conseguiram a liberação pela prefeitura de alvarás para a construção de 18 projetos. No ano seguinte, um juiz excluiu a área do Belvedere III do tombamento e ratificou as características do zoneamento como ZR-4 e ZC-3. Com isso, iniciaram-se em 1998 as obras em ritmo acelerado. No ano 2000, “era considerado o maior canteiro de obras do país”. Três anos depois, o bairro “contava com 80% de área construída e 90% dos apartamentos ocupados”.
Acrescentam os autores que a prefeitura, na gestão de Eduardo Azeredo, ingressou com ação de anulação de registro de loteamento, mas perdeu na 1ª instância. O município alegou que o registro era nulo, “pois esse apresentava vícios formais de sobreposição de assinaturas do prefeito à época da aprovação, conforme prescrição do art. 23, da Lei 6.766/79; na ausência de oitiva da Comissão Especial de Zoneamento (prevista pelo Decreto Municipal 4.997/85); na ausência de apresentação do RIMA e do EIA; na ausência de oitiva do Instituto Estadual de Floretas; na rapidez da aprovação do projeto (28 dias); na violação do art. 13 da Lei 6.766/79”. A prefeitura recorreu e a decisão de 2ª instância manteve a sentença favorável aos empreendedores.
Pelo relatado, pode-se antever o que esperar do novo bairro, que a revista “Encontro” diz ser apenas um pouco menor que o Bairro de Lourdes e cujo metro quadrado construído será de cerca de 10 mil reais.
Teremos assim mais um bairro nobre em Belo Horizonte. Ou, como disse a diretora da Caparaó, “a cidade vai ganhar um presente”.
Tem algumas senhoras que sabem ser irônicas – ou cínicas!
Queria muito saber quem foi o ambientalista que aprovou essa ideia.
CurtirCurtir
O problema é que esses conselhos de meio ambiente municipais só funcionam como fachada.
Taí uma boa pauta procê investigar aí, senhor Gu! 🙂
CurtirCurtir
Um dia vão ver que,após mineirar tudo,nenhum desses elementos servem para nos alimentar… Lamentável isso, o que a ganância nao faz
CurtirCurtir
Pois é…
CurtirCurtir
um novo Buritis? não, obrigado!
CurtirCurtir
Por essas e outras sou a favor de ações mais enérgicas, temos que impedir estes abusos. Ou será que sou radical de mais…
CurtirCurtir
Não André….Os homens com poderes para aplicar as leis é que não são duros o suficiente com esses coronéis modernos…
CurtirCurtir