O que aprendi com meu pai*

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Jean Galvão, na “Folha” de hoje.

Aprendi a ser otimista. Toda vez que solto um “tomara que”, ele retruca com um animado: “Isso mesmo! Somos otimistas!”, me lembrando e impedindo que eu esqueça jamais que sou uma otimista nata, impedindo que eu recaia no pessimismo desalentador.

Aprendi a ser bem-humorada. A rir até das desgraças da vida, porque só o bom humor nos mantém mais leves, nos faz flutuar pelos anos, de forma mais doce e suave e imune a todos os zilhões de problemas.

Aprendi a respeitar as vontades dos outros, quando diz respeito a eles. A entender que cada um tem seu ponto de vista. A entender que não há verdades absolutas e que o mundo é um amontoado de versões. Isso teve especial valia no jornalismo também.

Aprendi, bem pequetita ainda, que um cara chamado Sócrates um dia disse que nada sabe e que, se alguém como Sócrates nada sabe, que dirá alguém como eu. Devemos manter a humildade.

Aprendi que, onde quer que eu vá trabalhar, em qual for a profissão ou função, tenho que tentar dar sempre o melhor de mim e fazer da melhor forma possível. Se um dia eu tiver que varrer as ruas da cidade, tentarei ser a melhor varredora que eu puder. E que todas as profissões têm sua importância, são peças de um mesmo grande quebra-cabeças.

Aprendi que dinheiro não é tudo. Que precisamos ter algum desprendimento e cuidar pra não virarmos sovinas, pão-duros ou gananciosos em nome de fazer economia ou não desperdiçar.

“Viva e deixe viver.” / “É a vida.” / “Quem não morreu, vai morrer.” / “Isso também passa.” Podem ser frases conformistas ou, no ponto de vista dos otimistas, frases que nos empurram pra frente diante de uma situação triste ou ruim, mas certamente inevitável. Aprendi que não devemos sofrer com o leite derramado ou lutar contra o inevitável.

Aprendi que pra fazer jornalismo é preciso ter coragem. Se a pessoa for medrosa demais, tem que seguir outro rumo. Não por riscos gigantescos que existem em algumas pautas, mas pelos riscos inerentes da profissão. Jornalista arrisca todos os dias, desde a escolha da pauta, até a escolha do lide, seguindo pela escolha editorial. As grandes histórias surgem de grandes riscos. Veículo que tem medo de se posicionar faz mau jornalismo. Claro que ele também me ensinou que a coragem requer responsabilidade.

Aprendi que o maior bem de um jornalista e de um jornal é sua credibilidade. E que ambos começam a se enterrar justamente quando têm essa credibilidade questionada. Por isso, é preciso sempre cuidar dela. Não basta agir com ética, é preciso deixar claro ao mundo que você é incorruptível.

Aprendi a me sentar numa cadeira, diante da natureza, e apenas contemplá-la. Árvores, pássaros piando. Que aquele quadro, que parece estático, é cheio de movimento e de mudanças a todo instante. Que há muita beleza na natureza. E que a vida na roça é muito gostosa e que quem nasceu na roça e lá viveu durante a infância vai sentir saudades para o resto da vida, como se fosse um órgão à parte, cheio de lembranças, em algum buraco do organismo.

Aprendi como é bom ler! E que os livros são os melhores presentes que alguém pode dar ou ganhar de outro alguém.

Aprendi a sempre tentar (por mais difícil que seja, na minha profissão) evitar a fofoca.

Aprendi a nunca, jamais, dar rasteiras em alguém. E a odiar quem faz isso. E a odiar puxa-sacos em geral.

Aprendi a olhar com desconfiança para políticos, policiais, padres, professores e demais representantes do poder. A duvidar. A questionar. A criticar.

Aprendi que a ironia é uma arma fina contra agressores.

Aprendi a não olhar para alguém diferente por ter outra profissão, salário ou cor da pele. A não aceitar o machismo. A ver com naturalidade homens e mulheres exercendo os mesmos papeis na sociedade e dividindo tarefas domésticas. A acreditar no conceito de igualdade, em suas várias concepções, mesmo que enquanto ideal.

Aprendi a ser idealista.

Aprendi a escrever textos jornalísticos, de análise e de opinião. E que opinião é extremamente importante, é minha, é livre e ninguém tem o direito de me tomar. Que é necessária na democracia e nos jornais. Que jornalismo também comporta opinião. Que é bom que seja plural. Que devemos estar abertos a mudar a nossa opinião, e devemos nos obrigar — principalmente os jornalistas — a ler aquilo que já sabemos de antemão que não segue nossa linha de pensamento. Ler “Veja” e “Carta Capital”. Ler Paulo Henrique Amorim e Reinaldo Azevedo. Aprendi a blogar.

Aprendi que é legal eu manter meu lado criança dentro de mim e que todo mundo deveria ser “Peter Pan” ou “Peter Pana”, ao menos de vez em quando.

A todo momento lembro de mais e mais coisas que aprendi, tento aprender ou sempre aprendo com meu pai-herói, mas, se eu não frear em algum momento, este post vai ficar grande demais e também aprendi que é preciso ser conciso pra alguém querer te ler. Então paro por aqui: obrigada, papai! 😀

* Aprendi ou sigo tentando aprender 😉

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Foto: CMC

Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

6 comentários

  1. Kika, lindo! Meu pai também é meu herói… e vamos comemorar por ainda podermos aprender um pouco mais com eles todos os dias 🙂

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