Consumidor sustenta o Brasil, mas é tratado como lixo


lixao
Uma das razões para o Brasil não ter afundado na crise que assola os Estados Unidos e a Europa desde 2008 é o fato de os brasileiros ainda estarem confiantes na economia e comprando sem parar. A indústria de automóveis bateu recorde de vendas em 2012 e já emplacou quase 150 mil novos carros só nos primeiros dez dias úteis de 2013, mesmo sem redução total de IPI. O comércio varejista cresceu em todos os setores: farmácia, roupas, livros, material de construção, brinquedos etc. A tal da “classe C”, que teve os rendimentos valorizados pelo aumento do salário mínimo nos últimos anos, também não para de comprar. O governo federal tem estimulado esse consumo. Em resumo, tá todo mundo consumindo sem parar, mesmo com a inflação em alta, mantendo a indústria e o comércio aquecidos no Brasil, apesar dos pesares mundiais.

E não é que, mesmo assim, apesar do bem que o consumidor tem feito ao país, ele ainda é tratado como lixo? Adquire o produto, mas se, por alguma razão, ele vem com defeito, não chega direito, atrasa na entrega ou precisa ser alterado ou cancelado, a empresa deixa de prestar o atendimento àquele consumidor que foi, momentos antes, fisgado e tratado com todo carinho na hora da compra.

Vemos um investimento monstro das empresas em atendentes voltados para venda, tanto nas lojas físicas quanto nos outros canais de atendimento, mas nada é investido para o atendimento de manutenção e cancelamento. E as grandes varejistas, planos de saúde, editoras, bancos e empresas de telefonia podem me contestar com o dado que quiserem, dizer que investem zilhões de reais em atendimento ao consumidor – mesmo se for verdade, esses zilhões são insuficientes ou estão mal aplicados, e sei disso porque sou consumidora e sofro constantemente com a via-crúcis dos SACs.

O SAC, aliás, deveria ser rebatizado como “Serviço de Aflição ao Consumidor“. Seria, no mínimo, mais honesto. Divido com vocês as quatro aflições que estão me amolando nos últimos dias:

Ricardo Eletro – Tirei o dia 31 de dezembro, o único dia útil em que tive folga nos últimos tempos, para comprar um armário para a minha cozinha, que era a única pendência da minha mudança. Passei por várias grandes lojas de varejo, mas nunca conseguia encontrar um modelo pequeno o suficiente para caber na minha minúscula cozinha. O atendente da Ricardo Eletro, que já era a sétima loja que eu visitava no dia, estava visivelmente com raiva por trabalhar no último dia do ano. Quase falei com ele: “Meu filho, eu  trabalhei nos últimos quatro Réveillons, você tá reclamando de quê?” Ele me mostrava os modelos já adiantando que não caberiam no espaço que eu queria, como que me mandando ir embora logo. Até que eu vi um armário que estava na loja. “Tem fita métrica?”, perguntei. “Não.” Respirei fundo, fui até a loja concorrente, ao lado, peguei uma fita métrica emprestada, e fui lá medir. Servia. Fechei negócio. Ele me disse que chegaria na minha casa até o dia 3 de janeiro e que, depois, era só eu ligar para o número tal e agendar a montagem do armário “quando quisesse”. Claro que o armário chegou com atraso e claro que, até hoje, 18 dias depois, ainda não foi montado. Tento há dois dias falar na central, mas, após 12 minutos de espera ouvindo musiquinha (“Bom atendimento, para nós, é obrigação”. Hahahaha.), a ligação cai, ou já ouço de cara que “todos os atendentes estão ocupados”. Me dei ao trabalho de ir pessoalmente até a loja onde havia comprado, apenas para me deparar com a gerente, Fernanda, provavelmente um robô, que só sabia dizer “Ligue para a Central, eu não posso fazer nada”. Fernanda é parte do sistema: ela também só foi programada para vender, nunca para atender.
Editora Globo Essa também é boa! Enquanto a imprensa está desesperada para conseguir assinantes, numa das maiores crises de sua história, com leitores cada vez mais migrando de impressos para a internet e com as revistas semanais se tornando cada vez mais objetos velhos e descartáveis, vítimas das equipes minguadas após imensos passaralhos, lá fui eu, por livre e espontânea vontade, na contramão da humanidade, assinar a revista “Época”. Em vez de me tratarem a pão-de-ló, para não me perderem mais, eles simplesmente não entregaram os dois primeiros exemplares para mim. Liguei, pacientemente, passei meu endereço, disse que aceitava receber as revistas atrasadas e tal. Elas vieram. E eis que as três seguintes também deixaram de vir! Ah sim, não moro no meio do mato, mas num bairro próximo ao centro de uma das maiores capitais do país. Tentei falar com os atendentes via chat, mas os chats misteriosamente caíram nas três tentativas que fiz. Registrei por email e recebi uma resposta perguntando se eu queria receber as revistas mesmo atrasadas. Respondi que sim e, surpresa!, a resposta seguinte veio dizendo que “minha solicitação já tinha sido resolvida”. Oi? Por quem? E cadê minhas três revistas? Melhor voltar para o doce mundo da internet…
Locaweb – Falando em internet, estou tentando cancelar meu serviço de hospedagem na Locaweb desde o dia 10 de janeiro, quando registrei um chamado pedindo o cancelamento. No dia 11, um funcionário me respondeu perguntando os motivos do cancelamento, oferecendo um mês de gratuidade, dizendo que não quer me perder. Até aí, tudo ótimo. Mas respondi no mesmo dia que não queria mais manter o site em questão e, para minha surpresa, em vez de receber uma resposta confirmando o cancelamento, recebi hoje, seis dias depois, uma resposta dizendo que, “como não tiveram interações nos últimos dias”, iriam “cancelar meu chamado automaticamente”!!!! Ou seja, minha resposta foi ignorada e ainda jogaram a culpa no meu silêncio imaginário para desistirem de fazer o cancelamento que solicitei há uma semana.
NET – Como não podia deixar de ser, a NET também está na minha listinha de aflições saquísticas. Lembram do meu sufoco para cancelar o serviço de São Paulo? Pois bem, a última pendência que faltava era enviar os equipamentos da NET pelos Correios, via Sedex a cobrar. Fiz isso ainda na primeira quinzena de outubro. Já foram entregues, tanto que recebi o dinheiro dos Correios uns quinze dias depois. Já falei com a NET na época, para confirmar que não tinha mais quaisquer pendências com a conta de lá. E não é que hoje recebi um email deles dizendo que não receberam os equipamentos e me dando um valor a pagar por eles?

É o que eu digo: os empresários brasileiros ou no Brasil ainda não aprenderam a tratar o consumidor como cidadão. Qualquer valor que invistam em atendimento é insuficiente. Qualquer treinamento que dão aos atuais atendentes é ineficaz. Isso precisa ser melhorado com urgência, ou os consumidores vão desistir de comprar, após serem tratados como lixo com tanta frequência, e vão descobrir que às vezes são mais rapidamente e mais bem tratados por serviços prestados nos Estados Unidos ou na China, pagos (por bem menos) via cartão de crédito pela internet, do que na loja da esquina.

Por Cristina Moreno de Castro (kikacastro)

Mineira de Beagá, jornalista (passagem por Folha de S.Paulo, g1 e TV Globo, UOL, O Tempo etc), blogueira há 20 anos, amante dos livros, poeta, cinéfila, blueseira, atleticana, politizada, otimista, aprendendo desde 2015 a ser a melhor mãe do mundo para o Luiz. Antirracista e antifascista.

4 comentários

  1. Para que a situação melhore, é indispensável que o consumidor continue a reivindicar seus direitos e que as agências e órgãos competentes fiscalizem, punam e atuem com independência – o que nem sempre tem acontecido.

    Cris, isso aí não fui eu quem escreveu. Está no fim do editorial da Folha de S. Paulo, deste sábado. Mas concordo inteiramente. Não por mim, já que cada vez mais me torno menos e menos consumidor, mas pela maioria dos brasileiros, eternos explorados. E agora, que se viciaram em telefonia celular, mais que nunca.

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